quarta-feira, 9 de agosto de 2017

O peito aperta


Já é sexta-feira. O relógio caminha para marcar uma hora e quinze minutos da madrugada. Acabei de sair de meu trabalho. O termômetro no canteiro central da avenida marca 13°. O menino carrega junto ao corpo, com certa dificuldade, uma caixa de papelão. A seu lado outras três crianças pouco mais velhas que ele, e uma jovem mulher carregando no colo outra criança. Cada qual portando sua caixa ou seu pedaço de papelão.


Depois de subirem aos pulos a escada que leva à passarela da estação do Metrô, parecem discutir algo sobre um futuro muito próximo. A jovem mulher, a qual o menino chama de mãe, caminha na direção da estação, enquanto as três crianças maiores caminham em sentido contrário na direção da rampa de acesso às ruas circunvizinhas. O menino, na inocência de seus seis ou sete anos, estanca entre os dois caminhos. A mãe, com seu protegido bebê envolto em um surrado cobertor azul, encosta no parapeito e após avistar pessoas que dormem como indigentes na calçada sob a marquise da estação, resolve voltar. Parece querer juntar-se ao grupo. 

O vento frio castiga as faces descobertas. As crianças fazem um ligeiro burburinho na entrada da rampa, enquanto aguardam a decisão que parece ser a mais importante do dia. A jovem mãe chama para si o menino, ainda sem a devida convicção de que rumo tomar, e ameaça partir deixando-o para trás enquanto ele teima em não seguí-la. As outras crianças, já impacientes, chamam, aos gritos, os dois que ali permanecem no impasse. 

O pequeno se vira e abraçado à sua pequena caixa de papelão, olhos marejados, lábio inferior arriado e o rostinho que manifesta a mesma contrariedade do garotinho que na frente de uma loja de um fino shopping da zona sul, não aceita outro brinquedo se não aquele de sua escolha, diz, com voz embargada e um profundo sentimento: 
- Não quero dormir ali! 

A mãe o puxa pelo braço, a caixa cai, ele a retoma e os dois seguem em direção aos outros e descem a rampa. Nem lá, nem cá. De concreto mesmo, somente as caixas e os pedaços de papelão, que servirão de colcha e colchão para aquecer as pequenas almas na dura e fria madrugada da metrópole São Paulo. 

Sigo meu caminho. O peito aperta, os olhos molham e uma angústia incomoda meu pensamento. Meto a mão no bolso, pego a chave do carro e dirijo por doze quilômetros com o vento cortante quebrando no para-brisa. O peito aperta. Em casa, abro a porta do quarto, e muito bem protegido por um grosso cobertor, meu pequeno dorme com a paz da inocência estampada no rosto.

No meu quarto, deito junto à minha esposa, puxo a ponta do cobertor e entrelaço minhas pernas geladas nas suas muito bem aquecidas. Ela se mexe inconsciente, resmunga algo ininteligível e se vira. Beijo-lhe o rosto quente, viro de lado e não durmo. O peito aperta.