Quando
um outro gênio morreu, eu escrevi que ele não era Deus. Hoje, morreu o
maior de todos e a sensação é a de que este só morreu porque, assim
como aquele, também não era. Talvez tenha herdado sob sua pele preta
alguns dotes e talentos inerentes apenas a alguma divindade. Talvez, tal
qual um semideus gerado por uma ninfa, não tenha se banhado no Estige,
não tenha herdado a imortalidade, e a flecha tenha lhe atingindo
justamente onde não tinha proteção.
No
entanto, a sua imortalidade não está vinculada ao seu perecível corpo
que agora voltará ao pó. Sua imortalidade estará sempre ligada ao
imponderável que era ver pernas, tronco, braços e cabeça se moverem em
sintonia, como a ouvir sinfonia, enquanto seu entorno convulsionava
apavorado sem distinguir direção, atitude ou razão.
A
bola colada aos pés lhe era fiel. Em que outros pés encontraria melhor
tratamento? Em que outros pés o carinho, o amor e o respeito lhe diriam
tanto. Resvalando a grama ou em precisas viagens aéreas o melhor
acolhimento estava sempre próximo aos seus cadarços bem amarrados, ou na
recepção calorosa do peito que a fazia dormir e sonhar.
Ele
se fez Rei. Foi consagrado por si. O mundo o reverenciou, e essa
reverência se manifestará a cada emissão de seu nome, a cada frase
relembrada, a cada um de seus mais de 1.200 gols que a TV não cansará
de reprisar.
Não foi Deus,
e por isso falho como cada um de seus súditos. Talvez por isso o homem
falava da personagem e também o contrário. Ele há muito já não
desfilava e deslumbrava pelos campos do mundo, mas o legado e a
referência se manterão vivos. Um substantivo que virou adjetivo. Um nome
que virou sinônimo de magistralidade, de virtuosidade e penitude.