"Não sei porque razão me causa impressão ver um preto escrever. Apraz-me que falem a nossa língua com propriedade e sem sotaque. Contudo, sinto como uma invasão o domínio que eles possam ter da escrita."
A fala citada acima é a manifestação do personagem Sgto.
Germano de Melo, português, através de carta ao seu superior, no romance
"Mulheres de Cinza", de Mia Couto. O Sargento relata o seu incômodo ao
ver Imani, menina negra, designada a acompanhar e a servir de tradutora
para o militar em suas incursões pela aldeia, já que é a única que ali
fala a língua dos colonizadores. Para ele, os negros falarem, e bem, a
sua língua é algo aceitável. Para os propósitos colonizadores e
"civilizadores", fica muito mais fácil a compreensão e a absorção dos
costumes e da catequização a qual aqueles seriam submetidos. A negra
escrever, "um preto escrever", causava "impressão". Para o personagem
branco e dominador, o preto escrevendo era uma invasão. Mas que invasão
seria essa?
O colonizador se sentiu ameaçado por que viu que não era exclusividade sua a aquisição de conhecimento. As tradições ancestrais e milenares transmitidas oralmente através dos séculos, passariam a ter seus registros perpetuados através da escrita, e todo o conhecimento, que também não era exclusividade europeia, estaria passando de mãos em mãos, de cabeça a cabeça, através das gerações.
O analfabetismo sempre foi arma de dominação das elites. O sistema escravocrata que explorou por séculos a população negra tirada do ventre africano, se manteve por tanto tempo, porque esta dominação violenta impedia a busca e difusão do conhecimento, desde os podres porões dos navios, até o apartamento da senzala.
Todos sabemos, apesar de tentarem nos fazer crer no contrário, que o fim da escravidão institucionalizada não nos foi concedida como uma bênção de mão beijada. Além de todas as pressões internacionais para que se abolisse, já tardiamente, a escravidão no Brasil, o último pais do ocidente a fazê-lo, a luta dos abolicionistas negros foi fundamental neste sentido.
Para ilustrar bem a participação e envolvimento dos negros em sua própria luta, podemos citar alguns nomes como o de Luiz Gama, que aprendendo a ler e escrever apenas aos 17 anos, reivindicou sua liberdade, já que havia nascido livre e feito escravo, e que mais tarde, acabaria libertando centenas de escravos, entrando com ações na justiça. Não menos importante, André Rebouças, que requereu não só o fim da escravidão, mas também que os escravos libertos tivessem acesso à terra além de direitos.
A mulher negra, como nunca foi diferente, empregou sua força e inteligência e também colaborou muito com essa luta. Maria Firmina dos Reis, a primeira escritora abolicionista, em seu romance "Úrsula", tido como o primeiro romance a abordar tal tema por alguns historiadores, utilizou de seus personagens negros para contestar o sistema escravocrata.
Como vimos nos exemplos citados, ínfimos diante de tantos outros, os negros lutaram por liberdade e não ficaram de joelhos esperando uma dádiva do céu. A consciência despertada, principalmente, pelo conhecimento adquirido através da alfabetização, dos estudos e da leitura, juntou-se a outros fatores que levaram à destituição da escravidão institucionalizada.
Isso era tudo o que temia o Sgto. Germano. A consciência negra despertada e viva através do conhecimento. A história, o espaço, a cultura, as tradições, tudo abarcado dentro da leitura e da escrita negra. E como bem já disse Steve Biko, "a abordagem da consciência negra seria irrelevante numa sociedade igualitária, sem distinção de cor e sem exploração". Este não é o caso. E sobre a essência dessa Consciência Negra, Biko sentencia: "É a consciencialização por parte do negro da necessidade de se unir a seus irmãos em torno da causa da sua opressão - a negritude da sua pele - e de trabalharem como um grupo para se libertarem dos grilhões que os prendem a uma servidão perpétua."
E é por essas e por outras que escrevemos e não paramos de escrever. Isso é o que temem os "sargentos" do nosso cotidiano.
O colonizador se sentiu ameaçado por que viu que não era exclusividade sua a aquisição de conhecimento. As tradições ancestrais e milenares transmitidas oralmente através dos séculos, passariam a ter seus registros perpetuados através da escrita, e todo o conhecimento, que também não era exclusividade europeia, estaria passando de mãos em mãos, de cabeça a cabeça, através das gerações.
O analfabetismo sempre foi arma de dominação das elites. O sistema escravocrata que explorou por séculos a população negra tirada do ventre africano, se manteve por tanto tempo, porque esta dominação violenta impedia a busca e difusão do conhecimento, desde os podres porões dos navios, até o apartamento da senzala.
Todos sabemos, apesar de tentarem nos fazer crer no contrário, que o fim da escravidão institucionalizada não nos foi concedida como uma bênção de mão beijada. Além de todas as pressões internacionais para que se abolisse, já tardiamente, a escravidão no Brasil, o último pais do ocidente a fazê-lo, a luta dos abolicionistas negros foi fundamental neste sentido.
Para ilustrar bem a participação e envolvimento dos negros em sua própria luta, podemos citar alguns nomes como o de Luiz Gama, que aprendendo a ler e escrever apenas aos 17 anos, reivindicou sua liberdade, já que havia nascido livre e feito escravo, e que mais tarde, acabaria libertando centenas de escravos, entrando com ações na justiça. Não menos importante, André Rebouças, que requereu não só o fim da escravidão, mas também que os escravos libertos tivessem acesso à terra além de direitos.
A mulher negra, como nunca foi diferente, empregou sua força e inteligência e também colaborou muito com essa luta. Maria Firmina dos Reis, a primeira escritora abolicionista, em seu romance "Úrsula", tido como o primeiro romance a abordar tal tema por alguns historiadores, utilizou de seus personagens negros para contestar o sistema escravocrata.
Como vimos nos exemplos citados, ínfimos diante de tantos outros, os negros lutaram por liberdade e não ficaram de joelhos esperando uma dádiva do céu. A consciência despertada, principalmente, pelo conhecimento adquirido através da alfabetização, dos estudos e da leitura, juntou-se a outros fatores que levaram à destituição da escravidão institucionalizada.
Isso era tudo o que temia o Sgto. Germano. A consciência negra despertada e viva através do conhecimento. A história, o espaço, a cultura, as tradições, tudo abarcado dentro da leitura e da escrita negra. E como bem já disse Steve Biko, "a abordagem da consciência negra seria irrelevante numa sociedade igualitária, sem distinção de cor e sem exploração". Este não é o caso. E sobre a essência dessa Consciência Negra, Biko sentencia: "É a consciencialização por parte do negro da necessidade de se unir a seus irmãos em torno da causa da sua opressão - a negritude da sua pele - e de trabalharem como um grupo para se libertarem dos grilhões que os prendem a uma servidão perpétua."
E é por essas e por outras que escrevemos e não paramos de escrever. Isso é o que temem os "sargentos" do nosso cotidiano.
Parabéns, Neri. Como seu texto sugere, a escrita foi e continua sendo um instrumento importante de resistência do povo negro contra a opressão.
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