Para não me eximir
das modernidades difundidas através das redes sociais, me rendo aqui aos novos
neologismos, com perdão da redundância, tão disseminados hoje em dia quanto o
“sextou” dos animados memes que
perpassam todas as sextas feiras, infalivelmente acompanhados de uma linda,
suada e instigante garrafa de cerveja ou de uma transbordante caneca de chopp.
Refém que sou do
meio que me envolve, cinquentei.
Como a atualidade
e os acontecimentos dos últimos dias, ou meses, nos forçam a incorporar novas palavras
ao nosso precário vocabulário, empregarei também uma já muito utilizada e
repetida por autoridades e entendidos na esperançosa expressão: achatamento da
curva.
Sim. A curva.
Talvez eu tenha atingido com esse meu meio século vivido o pico da minha curva.
Confesso, também esperançoso, que tenho, com muito otimismo, o desejo de que
essa curva só finde lá pelos anos 70 vindouros, e que meu ciclo se complete num
século.
Em meio a tantas
más notícias e ao tormento que se tornou essa pandemia que vem dizimando
milhares de pessoas no mundo, a festa que havia sido planejada para reunir os
amigos e a família numa grande confraternização teve de ser cancelada. Pelo
menos adiada. Quem sabe no próximo abril a gente não possa retomar o projeto e
cobrar com juros e correção os beijos, os abraços e o carinho que deixaram de
ser dados e recebidos.
Contudo, a data
não passou em branco. Meu cinquentenário teve seus momentos marcantes.
Comemoramos com os amigos e parentes à distância, através de uma live pela rede social. Filhos e esposa
me colocaram diante da câmera do celular para cantar, auto acompanhado por meu violão
pouco aprimorado, rústico, as músicas que tantas vezes cantamos juntos nos
diversos encontros, churrascos e sítios. Foi muito especial receber o carinho
de todos através da interação e das inúmeras mensagens, e ainda ter sido visto
e ouvido, de acordo com as curtidas,
em Brasília, Rio de Janeiro, Portugal e até nos Estados unidos por velhos e
novíssimos amigos de tão, tão distante, como diria um velho ogro.
No dia anterior, tentei
matar a saudade da minha velhinha através de uma ligação. Ah, como é bom poder
ouvir as suas reclamações tão resolvíveis! Ela, que antes da pandemia andava
meio preguiçosa, passando grande parte do dia acomodada em seu sofá, assistindo
às inocentes aventuras de Dora, agora
se queixa, e com razão, de não poder sair para fazer sua caminhadinha na praça.
Depois de desligar, senti uma angústia se apoderar de meu peito. Chorei
silencioso. Já há alguns dias não a via.
Pela manhã do dia
28, fui vê-la. Sim. Sabia que para preservá-la de um possível contágio deveria
me manter distante. A janela de sua pequena sala dá para o corredor que vem da
rua. Avancei meu rosto no vão da janela e, como esperava, lá estava ela,
sentada em seu sofá, assistindo a um desenho animado qualquer. Não vi se era a Dora. Sorriu largamente. Me mandou
entrar. Não entrei.
A felicidade em me
ver pessoalmente, expressa em seus vibrantes olhos azuis e em suas interjeições
baianamente sotaqueadas, me inundou os olhos. Ligações não bastam. Não pude abraçá-la.
Não pude beijá-la, nem pude, como algumas vezes faço, colocar minha cabeça em
seu colo, ainda que cinquentão. Lhe perguntei se sabia que dia era. Ela fez ar
de surpresa. Se lembrou. Seus 81 anos às vezes lhe passam uma rasteira com as
datas. Não pôde me abraçar. Não pôde me beijar, nem me dar seu colo no dia do
meu aniversário. Me dei por contente com o amor que me tocava e que nos move à distância.
Cinquentei.
Texto emocionante e lindo, lindo, lindíssimo!!!!������
ResponderExcluirObrigado, amiga. Assim, vamos atravessando esse pântano tenebroso. Com o carinho compartilhado. Obrigado pelo seu.
ExcluirQue texto lindo.Parabens pelos seus 50 anos e que venham muitos outros com grandes alegrias
ResponderExcluirObrigado. Aqui aparece como desconhecido, mas retribuo o carinho. Obrigado.
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